"Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas, mas nenhuma delas é cubana." FIDEL CASTRO

sexta-feira, 1 de abril de 2011

FEITO DE FERRO E DE FLOR

Gregório Bezerra - Uma entrevista histórica - Parte 1



Gregório Bezerra - Uma entrevista histórica - Parte 2



Gregório Bezerra - Uma entrevista histórica - Parte 3




Gregório Bezerra veio ao mundo no pior ano possível. A terra rachada de aridez mostrava a terrível seca que amofinava o leite de todos os animais, do cabrito, da vaca, do ser humano. Logo quando chegou ao mundo, a sua mãe perambulava pelas estradas, em meio à vegetação da caatinga, sem poder ver o verde de uma simples folha, ou da esperança.

Após perder seus pais, ainda menino de calças curtas, foi criança de rua. O mundo quase apenas lhe reservou desgraças. O mundo fez tudo para retirar a sua gentileza, mas nunca conseguiu o vencer. Sua fé no ser humano, seu caráter inabalável, fazem dele um mito, um herói, um exemplo a ser seguido, faz dizer com justiça que ele é um homem de ferro.

Esteve em todas as lutas pela democracia no Brasil ocorridas no século passado. Levantou armas todas as vezes que uma ditadura se instaurou no Brasil. Organizou o povo mais pobre para lutar com a própria vida pela democracia, e por seus direitos. As pessoas que ele defendia, os trabalhadores rurais, tinham condições de vida e direitos tão precários, que na atualidade o Ministério do Trabalho ao encontrar um caso equivalente o classificaria como situação análoga à escravidão.

Ensinou a quem vivia em condições equivalentes à escravidão que eles eram seres humanos, e tinham direitos iguais a todos os outros. Lutou pelos direitos de igualdade entre gêneros, pretendia que uma mulher camponesa recebesse a mesma quantia de salário que um homem, desde a década de 30, até o dia de sua morte.

Foi preso por motivos políticos por todas as ditaduras, ficando por 22 anos em cárcere. Dividiu a cela com Luís Carlos Prestes, e até mesmo com o cangaceiro Antônio Silvino. Viveu exilado na União Soviética, e sofreu preconceito até de alguns de seus companheiros de militância política, que lhe negavam o microfone por ele ser um homem simples do povo. Só teve a oportunidade de se alfabetizar quando tinha 25 anos.

Homem sábio, inteligente, era pacato e gentil, inspirava confiança sendo seguido pelas massas. Um homem de flor, que na vigência da democracia foi eleito o deputado federal mais votado no estado de Pernambuco. Na prisão recebia cartas de amor de mulheres da sociedade, que eram todas rasgadas por sua advogada. Foi fiel por toda a sua vida à sua esposa, que conheceu na vida de camponês.

O golpe de 1964 o torturou de maneira brutal, em praça pública, tudo transmitido pela televisão, para toda a cidade. Ele, à época um homem já de idade, foi arrastado pelas ruas do bairro de Casa Forte com uma corda amarrada em seu pescoço. Seus pés foram banhados em fluído de bateria de automóvel, ficaram em carne viva. Ao ser torturado, só disse algumas poucas frases em defesa de sua dignidade, como após ser xingado de filho de uma puta por um homem de fardas: “Coronel, a minha mãe era uma mulher honrada!”.

O autor deste texto não viveu esta história, nem era nascido. Mas a escuta desde a infância pois os seus avôs, seus tios e seu pai moravam na praça de Casa Forte no dia em que ele foi torturado. Quando os militares começaram a desgraçar Gregório Bezerra, a avó do autor buscou os filhos no colégio e a família se trancou em casa, desligou a televisão. Ouvia-se pelas grades da casa os desesperados gritos dos populares: “Vão matar o homem, é uma desgraça!”.

Quando lhe foi ofertada a liberdade do cárcere, a recusou em sua grandiosidade, em razão de divergências com o partido comunista. Apenas aceitou ser trocado pelo embaixador americano para não prejudicar outros prisioneiros. Faleceu em 1983 sem conseguir ver a democracia ser restabelecida.

Gregório Bezerra nunca teria justiça, caso isso dependesse do Supremo Tribunal Federal, que constrange a todos os brasileiros com a sua decisão sobre a lei da anistia. Em razão deste lamentável julgamento, o Brasil acaba de receber a sua primeira condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que ordena a investigação de todos os crimes contra a humanidade cometidos pela Ditadura Militar brasileira.

Muitos brasileiros lutam pelo estabelecimento de justiça, para que os arquivos de crimes cometidos pelos militares em seus vinte e quatro anos de sombras não sejam escondidos do povo brasileiro, para que os desumanos que torturaram, mataram e fizeram pessoas desaparecer não fiquem impunes.

Um viva a todos que lutaram contra a Ditadura Militar brasileira. Esta luta é de todos que apreciam a democracia, que valorizam a vida. Um viva à Gregório Bezerra, o homem feito de ferro e de flor



2 comentários:

  1. Eu era estudante da USP nos anos 70 e participei da luta para a derrubada da ditadura. Com muito orgulho. Agora aguardo, como todos os companheiros de luta, a continuidade da "derrubada", com a instalação da Comissão da Verdade e a recuperação dos fatos e dos nomes de todos os criminosos. Mas lembro que ainda temos uma outra derrubada a encarar: a da Ditadura do Judiciário. Enquanto esta não for empreendida e vencida, não há que falar em democracia e Estado Democrático de Direito no Brasil.

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  2. Muito obrigado por reproduzir o texto, Geraldo! É uma luta muito importante, a memória dos terríveis crimes de tortura, seqüestro morte e desaparecimento não podem ficar impunes. São crimes contra a humanidade!

    É uma luta de todos nós. É uma luta pela democracia. É uma luta pela verdade!

    Saudações fraternas!

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